Já falei aqui sobre sombras e complexos. Mas sempre que eu toco nesse assunto surgem muitas dúvidas sobre a diferença entre os dois.
É super normal esse tipo de dúvida, porque eles se misturam muito mesmo. Então não precisa saber milimetricamente o que é uma sombra e o que é um complexo. Mas acho importante conhecer o conceito deles.
O conceito da sombra é a dor, é a ferida, é aquilo em que você se sente inferior. Aquilo que dói. Nossa inferioridade, nossa impotência, nosso sentimento de rejeição, de incapacidade. É a ferida.
Por que é importante a gente saber disso? Porque a gente não bate em algo que está ferido. A gente cicatriza, a gente cura, a gente acolhe. Isso nós vamos trabalhar com o tempo.
Até que vai chegar um momento em que nós não precisaremos mais ver a sombra como inimiga, mas como algo a ser ressignificado, e que nós podemos trazer essa sombra pro nosso lado. Ela se torna, então, uma aliada.
A parte boa é que as aliadas mais poderosas são aquelas que um dia foram nossas inimigas.
Já o complexo é a energia pesada que se cria ao redor dessa sombra. Jung não fala sobre isso até onde eu me lembro, mas as ordens iniciáticas falam que é através da nossa sombra não cuidada que o “mal” entra.
E isso é justamente a energia do complexo, que é uma energia densa, uma energia pesada desse mundo, que já existe coletivamente por aí.
Agora veja, essa energia já está aqui neste mundo, nós já entramos num mundo de profunda dualidade. E aí essa energia consegue entrar em nós através dessa ferida que são as sombras. Como se fosse uma ferida que se torna envenenada.
Então nós precisamos expurgar o veneno para poder cicatrizar a ferida. Essa é a diferença.
A sombra, em algum nível, é mais nossa. Vamos cuidar dela no tempo certo. O complexo não. Essa energia ruim do complexo, que está se aproveitando da nossa dor que é a sombra, isso aí nós não temos simpatia nenhuma, pode ir para lá.
E aí, quando a gente vai se aprofundando nisso, a gente começa a perceber que o complexo dos outros só gera repercussões no nosso campo se ele se alinha às nossas sombras.
Vou dar um exemplo. Se alguém está numa crise no relacionamento, e mesmo que aquela pessoa que não tenha nada a ver com você, você vai perceber o complexo em ação, porque ele é claro, ele é gritante.
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A diferença é que isso é mais fácil de blindar, porque é mais claro para você que aquilo não é teu. Então a blindagem mais básica já resolve.
As tretas só vão começar de verdade quando aquele complexo também pode ativar os seus. Quer ver só?
Digamos que está todo mundo lá no cafezinho no trabalho. E uma pessoa começa a falar sobre o medo de uma demissão. Todo mundo fica contaminado, fica um climão. Aquela coisa que todos têm esse medo. Então isso aciona o medo dos outros.
E aí sim você tem que fazer um trabalho de blindagem mais bem feito, você tem que saber onde estão suas sombras. É fechar a porta antes de cortar o laço. Tem que fechar a porta da sombra, para não deixar que a nossa sombra fique catando complexo por aí.
Por isso é muito importante que a gente esteja atento a isso, porque os complexos podem fazer com que a gente veja e acredite que algo está ruim na nossa vida, quando na verdade está bom.
E é por isso que eu sempre vou falar para você que numa situação de insatisfação, de conflito, nós sempre começamos com o conteúdo interno. Sempre.
Vou dar outro exemplo: tive uma paciente que procurou a terapia por um complexo constelado pela maternidade. Ela sempre quis muito ser mãe, muito. Construiu uma família, casou, organizou a vida profissional.
Demorou para conseguir ter filhos, fez um tratamento específico e deu certo, ela teve a criança tão esperada. Só que aí começou uma depressão pós-parto muito complicada, com muitas daquelas crenças de escassez de ser a mãe perfeita, de ser a super mãe.
Aí nós começamos trabalhando esse complexo de escassez, de inferioridade em relação ao que ela tinha de uma visão idealizada de maternidade. E com o passar do tempo, quando esse complexo diminuiu e ela se permitiu ser a mãe que ela de fato era, ela não tinha muito o que mudar na vida dela.
O filho nota dez, uma relação de família boa, estava tudo certo. No máximo, as mudanças concretas que ela fez foi, por exemplo, trocar de escola. Porque era uma escola que enfatizava muito nela a crença dela ser uma mãe insuficiente.
Então, quando começamos a trabalhar os complexos, nós vamos mudando a consciência daquilo, e aí pode haver mudanças concretas.
Porque quando você muda o complexo, as pequenas mudanças e microatitudes mais positivas serão inevitáveis. Mas nem sempre você precisa mudar toda sua vida. Pode ser que nem nessa situação da minha paciente. Você olha e pensa: “meu Deus, está tudo certo, era isso aí mesmo que eu queria”. E aí é melhor ainda.